"Era a sua íntima amiga. Tinham sido vizinhas, em solteiras, na Rua da Madalena, e
estudado no mesmo colégio, à Patriarcal, na Rita Pessoa, a coxa. Leopoldina era a filha única
do Visconde de Quebrais, o devasso, o caquético, que fora pajem de D. Miguel. Tinha feito
um casamento infeliz com um João Noronha, empregado da alfândega. Chamavam-lhe a
"Quebrais"; chamavam-lhe também a "Pão e Queijo".
Sabia-se que tinha amantes, dizia-se que tinha vícios. Jorge odiava-a. E dissera muitas
vezes a Luísa: "Tudo, menos a Leopoldina!"
Leopoldina tinha então vinte e sete anos. Não era alta, mas passava por ser a mulher mais
bem feita de Lisboa. Usava sempre os vestidos muito colados, com uma justeza que acusava,
modelava o corpo como uma pelica, sem largueza de roda, apanhados atrás. Dizia-se dela
com os olhos em alvo: "é uma estátua, é uma Vênus!" Tinha ombros de modelo, de uma
redondeza descaída e cheia; sentia-se nos seus seios, mesmo através do corpete, o desenho
rijo e harmonioso de duas belas metades de limão; a linha dos quadris rica e firme, certos
quebrados vibrantes de cintura faziam voltar os olhares acesos dos homens. A cara era um
pouco grosseira; as asas do nariz tinham uma dilatação carnuda; na pele, muito fina, de um
trigueiro quente e corado, havia sinaizinhos desvanecidos de antigas bexigas. A sua beleza
eram os olhos, de uma negrura intensa, afogados num fluido, muito quebrados, com grandes
pestanas.
Luísa veio para ela com os braços abertos, beijaram-se muito.
E Leopoldina, sentada no
sofá, enrolando devagarinho a seda clara do guarda-sol, começou a queixar-se: tinha estado
adoentada, muito secada, com tonturas. O calor matava-a. E que tinha ela feito?"
Eça de Queirós, O Primo Basílio.