"Juliana entrou, arranjando
nervosamente o colar e o broche. Devia ter quarenta anos e era muitíssimo magra. As feições,
miúdas, espremidas, tinham a amarelidão de tons baços das doenças de coração. Os olhos
grandes, encovados, rolavam numa inquietação, numa curiosidade, raiados de sangue, entre
pálpebras sempre debruadas de vermelho. Usava uma cuia de retrós imitando tranças, que lhe
fazia a cabeça enorme. Tinha um tique nas asas do nariz. E o vestido chato sobre o peito,
curto da roda, tufado pela goma das saias — mostrava um pé pequeno, bonito, muito apertado
em botinas de duraque com ponteiras de verniz".
Eça de Queirós, O Primo Basílio.
30 de novembro de 2015
Leopoldina
"Era a sua íntima amiga. Tinham sido vizinhas, em solteiras, na Rua da Madalena, e
estudado no mesmo colégio, à Patriarcal, na Rita Pessoa, a coxa. Leopoldina era a filha única
do Visconde de Quebrais, o devasso, o caquético, que fora pajem de D. Miguel. Tinha feito
um casamento infeliz com um João Noronha, empregado da alfândega. Chamavam-lhe a
"Quebrais"; chamavam-lhe também a "Pão e Queijo".
Sabia-se que tinha amantes, dizia-se que tinha vícios. Jorge odiava-a. E dissera muitas vezes a Luísa: "Tudo, menos a Leopoldina!"
Leopoldina tinha então vinte e sete anos. Não era alta, mas passava por ser a mulher mais bem feita de Lisboa. Usava sempre os vestidos muito colados, com uma justeza que acusava, modelava o corpo como uma pelica, sem largueza de roda, apanhados atrás. Dizia-se dela com os olhos em alvo: "é uma estátua, é uma Vênus!" Tinha ombros de modelo, de uma redondeza descaída e cheia; sentia-se nos seus seios, mesmo através do corpete, o desenho rijo e harmonioso de duas belas metades de limão; a linha dos quadris rica e firme, certos quebrados vibrantes de cintura faziam voltar os olhares acesos dos homens. A cara era um pouco grosseira; as asas do nariz tinham uma dilatação carnuda; na pele, muito fina, de um trigueiro quente e corado, havia sinaizinhos desvanecidos de antigas bexigas. A sua beleza eram os olhos, de uma negrura intensa, afogados num fluido, muito quebrados, com grandes pestanas. Luísa veio para ela com os braços abertos, beijaram-se muito.
E Leopoldina, sentada no sofá, enrolando devagarinho a seda clara do guarda-sol, começou a queixar-se: tinha estado adoentada, muito secada, com tonturas. O calor matava-a. E que tinha ela feito?"
Eça de Queirós, O Primo Basílio.
Sabia-se que tinha amantes, dizia-se que tinha vícios. Jorge odiava-a. E dissera muitas vezes a Luísa: "Tudo, menos a Leopoldina!"
Leopoldina tinha então vinte e sete anos. Não era alta, mas passava por ser a mulher mais bem feita de Lisboa. Usava sempre os vestidos muito colados, com uma justeza que acusava, modelava o corpo como uma pelica, sem largueza de roda, apanhados atrás. Dizia-se dela com os olhos em alvo: "é uma estátua, é uma Vênus!" Tinha ombros de modelo, de uma redondeza descaída e cheia; sentia-se nos seus seios, mesmo através do corpete, o desenho rijo e harmonioso de duas belas metades de limão; a linha dos quadris rica e firme, certos quebrados vibrantes de cintura faziam voltar os olhares acesos dos homens. A cara era um pouco grosseira; as asas do nariz tinham uma dilatação carnuda; na pele, muito fina, de um trigueiro quente e corado, havia sinaizinhos desvanecidos de antigas bexigas. A sua beleza eram os olhos, de uma negrura intensa, afogados num fluido, muito quebrados, com grandes pestanas. Luísa veio para ela com os braços abertos, beijaram-se muito.
E Leopoldina, sentada no sofá, enrolando devagarinho a seda clara do guarda-sol, começou a queixar-se: tinha estado adoentada, muito secada, com tonturas. O calor matava-a. E que tinha ela feito?"
Eça de Queirós, O Primo Basílio.
22 de novembro de 2015
15 de novembro de 2015
Sobre Capitu
"Era também mais curiosa. As curiosidades de Capitu dão para um capítulo. Eram
de vária espécie, explicáveis e inexplicáveis, assim úteis como inúteis, umas
graves, outras frívolas; gostava de saber tudo. No colégio onde, desde os sete
anos, aprendera a ler, escrever e contar, francês, doutrina e obras de agulha, não
aprendeu, por exemplo, a fazer renda; por isso mesmo, quis que prima Justina lhe
ensinasse. Se não estudou latim com o Padre Cabral foi porque o padre, depois de
lhe propor gracejando, acabou dizendo que latim não era língua de meninas.
Capitu confessou-me um dia que esta razão acendeu nela o desejo de o saber. Em
compensação, quis aprender inglês com um velho professor amigo do pai e
parceiro deste ao solo, mas não foi adiante. Tio Cosme ensinou-lhe gamão".
Machado de Assis, Dom Casmurro.
Machado de Assis, Dom Casmurro.
8 de novembro de 2015
7 de novembro de 2015
6 de novembro de 2015
3 de novembro de 2015
2 de novembro de 2015
Assinar:
Postagens (Atom)