Ora, as recordações de amor não fazem exceção às leis gerais da memória, elas próprias regidas pelas leis mais gerais do hábito. Como este enfraquece tudo, o que nos recorda melhor uma criatura é justamente o que tínhamos esquecido, porque era insignificante e assim lhe havíamos deixado toda sua força. Porque a melhor parte de nossa memória está fora de nós, numa brisa chuvosa, num cheiro de quarto fechado, ou no odor de uma primeira labareda, em toda parte encontramos de nós mesmos o que nossa inteligência rejeitara, por julgá-lo a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando todas as nossas lágrimas parecem ter secado, sabe nos fazer chorar ainda.
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido, Parte II, À sombra das moças em flor, trad. Fernando Py, ISBN 857110770X, 2004, disponível em http://pt.scribd.com/doc/7233252/Marcel-Proust-Em-Busca-Do-Tempo-Perdido, acesso em 26 de junho de 2011.