28 de março de 2011
O homem do futuro
A verdade tem que estar exatamente no que não poderei jamais compreender. E, mais tarde, seria capaz de posteriormente me entender? Não sei. O homem do futuro nos entenderá como somos hoje? Ele distraidamente, com alguma ternura distraída, afagará nossa cabeça como nós fazemos com o cão que se aproxima de nós e nos olha de dentro de sua escuridão, com olhos mudos e aflitos. Ele, o homem futuro, nos afagaria, remotamente nos compreendendo, como eu remotamente ia depois me entender, sob a memória da memória da memória já perdida de um tempo de dor, mas sabendo que nosso tempo de dor ia passar assim como a criança não é uma criança estática, é um ser crescente. Clarice Lispector, em A paixão segundo GH.
22 de março de 2011
Saudade
Morte, Luto.
Cerimoniais de adeus.
E a vida prossegue, indiferente, com toda sua pomposa irrelevância. Com prazos, compromissos e relógios.
Como se tudo fosse como sempre foi sem nunca ter sido.
Cerimoniais de adeus.
E a vida prossegue, indiferente, com toda sua pomposa irrelevância. Com prazos, compromissos e relógios.
Como se tudo fosse como sempre foi sem nunca ter sido.
17 de março de 2011
7 de março de 2011
5 de março de 2011
4 de março de 2011
Sábato
"Foi num dia de verão de 1947, ao passar em frente à Praça de Maio, pela Rua San Martin, na travessa do Município. Vinha distraído, quando de súbito ouvi uma campainha, uma campainha como de alguém que quisesse despertar-me de um sonho milenar. Eu caminhava, enquanto ouvia a campainha que tentava penetrar nos estratos mais profundos de minha consciência; ouvia-a, mas não a escutava. Até que, de repente, aquele som, ténue mas penetrante e obsessivo, pareceu tocar alguma zona sensível de meu eu, algum desses lugares em que a pele do eu é finíssima e de sensibilidade anormal: e despertei sobressaltado, como ante um perigo repentino e perverso, como se na obscuridade tivesse tocado com as minhas mãos a pele gelada de um réptil. Diante de mim, enigmática e dura, observando-me com todo o seu rosto, vi a cega que ali vendia bugigangas. Havia parado de tocar a sua campainha; como se a tivesse movido unicamente para mim, para despertar-me de meu insensato sono, para advertir-me que a minha existência anterior havia acabado, como uma estúpida etapa preparatória, e que agora deveria enfrentar a realidade. Imóvel, com o seu rosto abstracto dirigido para mim, eu paralisado como por uma aparição infernal mas frígida, ficamos assim durante esses instantes que não formam parte do tempo e dão acesso à eternidade. Tão logo minha consciência voltou a entrar na torrente do tempo, fugi."
SÁBATO, Ernesto. RELATÓRIO SOBRE CEGOS, cap. III da obra "Heróis e Túmulos" [1961]
SÁBATO, Ernesto. RELATÓRIO SOBRE CEGOS, cap. III da obra "Heróis e Túmulos" [1961]
3 de março de 2011
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