Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo dirige, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quando mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem durado pouco, que terem durado muito. São como as linhas, que partem do centro para a circunferência, que quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino; porque não há amor tão robusto que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza, o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não atira; embota-lhe as setas, com que já não fere; abre-lhe os olhos, com que vê o que não via; e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda essa diferença é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhe os defeitos, enfastia-lhe o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor?! O mesmo amar é causa de não amar e o ter amado muito, de amar menos.
VIEIRA, Antonio. Sermões e lugares seletos. Bosquejos histórico-literários, selecção, notas e índices remissivos por Mário Gonçalves Viana. Ed. Educação Nacional, Porto, 1939, p. 242,243.