27 de junho de 2009

AS CARTAS XXI

Carta de Francisco para Maria de 9 de outubro de 1924.
Maria,
Minha alma em dor, timidamente, implora da tua bondade apenas um gesto, o maior de todos os gestos: o perdão. Um grande perdão estendido sobre mim por todas as coisas más que eu te fiz, por todas as tristezas que eu pus na tua vida, por todas as lágrimas que eu deitei nos teus olhos.
Eu sofro, também, porque te amo demais, amo com tortura, e tanto! Que te faço sofrer... Essa é a minha maior dor! E quando choras, sofro ainda por não poder chorar contigo. Nos grandes sofrimentos, a minha alma como que se diviniza e toma a serenidade das coisas grandes. E a minha ânsia, sublime, então, é de beijar esse pedaço de alma diluída que vem nas tuas lágrimas. Eu todo me espititualizo diante da tua angústia, e sinto a minha alma tocar a tua alma, numa misteriosa penetração. Nesse momento, nós vivemos um mundo irreal, longe das coisas deste mundo, longe dos homens, sentindo a eternidade do nosso amor, dentro de um sonho. E, nos nossos corações, tudo é doçura e bondade.
Por esse motivo, eu bendigo as tuas lágrimas, apesar da amargura, por essas horas de suprema sensação ideal, em que meu amor torna-se igual ao amor de Deus!
Eu sofro também! E o meu sofrimento é eterno, porque é o reflexo do meu amor. O meu amor é grande e doloroso. E é infeliz da sua própria grandeza. Ah! Se eu pudesse amar menos um pouco!...
O teu perdão! ...Bem sei que me perdoas... Bem sei também que sabes perdoar: esquecendo...
Meu grande amor!
Do teu Francisco
24-X-MCMXXIV

18 de junho de 2009

O Livro das Melancolias

Quantos cemitérios tive de percorrer, e em que densa floresta de cruzes tive de embrenhar-me para procurar todos os meus mortos!
Mas lá não encontrei senão os seus nomes, escritos na madeira ou na pedra, e muitos deles haviam sido apagados pelo hálito dos anos.
Procurei os ossos, procurei as cinzas, e não os pude ver, porque estavam sepultados nas profundezas da terra.
E, enquanto os andava procurando entre as cruzes e os túmulos de mármore, os meus olhos não liam senão mentiras, não viam senão vaidades estultas e mesquinhas que, mais tenazes que a vida, duram mais que ela e que a memória dos homens.
O canto do homem era extinto, os sorrisos da juventude tinham se desvanecido, todas as alegrias da alma humana se haviam dissipado, e entre as sepulturas esquecidas e as cruzes tombadas na erva basta, tão somente sobrevivia, tenaz como o ferro, a vaidade humana, e a mentira gritava em falsete em todo aquele mundo de mortos.
E fugi do cemitério, e não voltei mais ali, porque os meus mortos não estavam lá, e eu os havia procurado onde eles se não encontravam.

Paulo Mantegazza
Extraído de O Livro das Melancolias