8 de março de 2009

AS CARTAS XVIII

Carta de Francisco para Maria de 05 de outubro de 1924.

Maria,
Deu-me vontade de dizer-te qualquer coisa em verso, e aí vai, então, nada quase na velha forma do soneto.
Acordei criança hoje. Ao abrir os olhos ao esplendor da manhã, comoveu-me a sua beleza. Quase chorei de alegria. Ri, depois. Ri perdidamente, sem saber por que. Ri, porque o sol ria, porque a manhã ria, porque a natureza toda ria, na divina alegria do despertar. Os pássaros, nos ramos, cantavam a glória da alvorada. E o pouco de criança que nós trazemos n’alma sempre vibrou em mim com a intensidade e a pureza dos seus primeiros anos. Quisera ser sempre assim, toda vida! Rir, feliz, de tudo. Eterna criança a encontrar um motivo de prazer em tudo. Mas os anos vão avançando. Da criança descuidada que era, surge o homem com a fisionomia ensombrada pelos dissabores. A fatalidade da beleza, na forma da mulher, e as misérias humanas se lhe deparam com toda a sua força de ação consciente ou inconsciente. E a tristeza, então, lhe enruga a alma. E a alegria já lhe é mais esquiva. E, homem, aos golpes das desilusões, põe-se a descrer. Torna-se céptico. A vida é assim.
Grande saudade do teu
Francisco
V-X-MCMXXIV

Contradições

Queres que eu creia em ti? Pois bem, querida, eu creio.
E esta dúvida má, que me arrasta, e assassina
toda a minha alegria efêmera e divina,
eu matarei na fonte donde ela proveio.

Sei que me amas. Bem sei também que tens no seio
a luminosa flor de uma amizade fina
que faz minha ventura, e, entanto, me alucina,
pois de tanto em ti crer, eu já quase descreio.

Porém, mesmo escondendo o mal entre as raízes,
tu és o único bem da minha mocidade,
pois me tornaste o ser do mundo o mais feliz.

E eu creio em teu amor e creio no que dizes,
mas creio mais em tudo o que, por ser verdade,
por isso mesmo, a tua boca nunca diz...