Ele era desengonçado. Também não cheirava muito bem, mesmo quando, contrariado, tomava banho no tanque. Guloso, pensava em comida o tempo todo, assim como pensava em sair e passear. Gostava tanto de andar de automóvel que, se via um desconhecido qualquer abrir a porta do carro... entrava e sentava no banco da frente, esperando pelo passeio. Uma briga tirá-lo de dentro, desculpar-se. Enfim, era o Gordo. Amigo, carinhoso, incapaz de fazer o mal aos tais cerumanos.
Tanto tempo, Gordo, tanto tempo. Convivemos pouco, é verdade. Mas ele se lembrava de mim, festejava-me, chorava e uivava escandalosamente. Era uma festa. Gordo, que saudade de você! De seu amor desinteressado e puro. Gordo, nunca mais.
31 de dezembro de 2017
30 de dezembro de 2017
O Homem sem Qualidades
"Ele estava postado atrás de uma janela, e através do filtro verde-pálido do ar do jardim contemplava a rua pardacenta; há dez minutos contava com o relógio os automóveis, carruagens, bondes e os rostos de transeuntes embaciados pela distância, que cobriam a retina com um rápido redemoinho; avaliava as velocidades, os ângulos, as forças vivas das massas que passavam, que atraíam o olhar com a rapidez de um raio, prendiam-no, soltavam-no e, durante um tempo para o qual não existe medida, forçavam a atenção a resistir-lhes, desprender-se, saltar para o que viesse em seguida e jogar-se atrás dele; em suma, depois de calcular mentalmente por um momento, ele meteu o relógio no bolso, rindo, e constatou que estivera fazendo uma tolice."
MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. Trad. Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p. 11.
3 de dezembro de 2017
Gratuidade
Mexo nas coisas passadas, passo os olhos pelas imagens, acho um fragmento, instante tomado ao chão, aonde teimava em nascer uma planta, que insistia em florescer só para ser pisoteada com indiferença pela nossa pressa.
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