Entrevista
realizada por Nicolas Gauthier
Exceto para você, aparentemente, o
termo “ideólogo” é doravante quase um palavrão. Aquele de “doutrinador” também.
Esses dois termos são sinônimos?
Na origem,
quando o termo foi criado em 1798 por Destutt de Tracy, a ideologia era apenas
a disciplina voltada ao estudo das ideias por si mesmas. Muito depressa, a
palavra passou a designar um sistema de ideias, de normas e de valores com
vistas a propor, sob uma forma coerente, e em oposição ao único conhecimento
intuitivo da realidade, certo modo de se representar e compreender o mundo. A
ideologia, pois, tem um alcance mais amplo que a doutrina, que procura, de
preferência, fornecer um programa de ação. Necessariamente coletiva (não existe
ideologia individual). Ela pode, além disso, revestir-se das mais diferentes
formas: ideologias políticas, econômicas, sociais, religiosas, etc.
Aqueles que
não utilizam a palavra senão que de maneira pejorativa aí encontram um prisma
deformador, que engendraria, inevitavelmente, uma “falsa consciência”.
Trata-se, na realidade, de um filtro. Para a espécie humana, os fatos brutos
são por si mesmos desprovidos de sentido. O homem é um animal hermenêutico, ou
seja, ele tem necessidade de interpretar os fatos em função de uma trama que
possa lhes dar sentido. É por isso que a ideologia se revela ao mesmo tempo
útil e onipresente. Bem entendido, as ideologias podem ser boas ou más,
pertinentes ou errôneas, mas de um erro ideológico não se pode deduzir que
todas as ideologias sejam nefastas. Qualquer um que não seja ideologicamente
estruturado, que não disponha de uma concepção global do mundo, é, ao contrário,
ao mesmo tempo vulnerável e impotente.
Esse papel
positivo da ideologia aparece muito mais nitidamente ainda ao se tomar a
palavra no sentido de sua etnologia. Um antropólogo como Clifford Geertz, por
exemplo, mostrou bem que a ideologia é potencialmente fundadora da identidade
dos grupos humanos. Longe de ser um fator de desconhecimento, ela desempenha um
papel de integração positiva e contribui para a auto definição das sociedades,
particularmente nos momentos históricos em que, como hoje, os referenciais
anteriores se desagregam. Ela aparece desde então como um dado básico da vida
social. Pareto pensava mesmo que ela “faz parte integrante do caráter do homem
civilizado”.
É-nos regularmente
dito que o último século foi aquele do advento das ideologias, mas também de
sua morte. Esse diagnóstico lhe parece fundado?
No momento em
que se vê eclodir a ideologia islâmica, parece-me de preferência maluco!
Aqueles que, no passado, anunciaram o “fim” ou o “crepúsculo das ideologias”
(esse foi o caso de Daniel Bell em 1963, de Gonzalo Fernández de la Mora em
1964) revelaram-se tão maus profetas quanto aqueles que, no dia seguinte ao colapso
do sistema soviético, arriscaram-se a predizer o “fim da história” (Francis
Fukuyama em 1992). Eles não viram que a ideologia é inerente à natureza humana.
Mas são sobretudo os liberais que têm estigmatizado a ideologia, ainda que
pretendendo, seguramente, estarem eles próprios isentos dela. Sua trajetória se
situa no prolongamento desta filosofia das Luzes que pretendia fazer
desaparecer as “superstições”, fundando unicamente sobre a razão uma ordem
social anteriormente fundada sobre a tradição. Ela evoca também a tese de
Augusto Comte, segundo a qual a humanidade se dirigiria inelutavelmente da era
teológica à era científica, ou às visões de um Saint-Simon, desejoso de
“substituir o governo dos homens pela administração das coisas”. O positivismo
cientista não está longe. Trata-se de esquecer, não apenas que há uma ideologia
liberal, mas também uma ideologia da ciência...
É nesse espírito que, junto a muitos
outros, Jean-Louis Beffa, chefe de Saint-Gobain, opunha recentemente o “partido
dos realistas” ao “amplo e compósito clã dos ideólogos”. As ideologias seriam
apenas paixões emocionais sem valor científico, do imaginário sem relação com a
realidade, da ilusão e do sectarismo. Denunciar as ideias adversas como
ideologias permite, pois, desacreditá-las. Esse refrão é comumente retomado pelos
tecnocratas e pelos experts, para quem os problemas políticos são, em última
análise, problemas técnicos para os quais existe apenas uma única solução
“racional”. O fantasma da organização científica (ou racional) da humanidade é
apenas uma maneira entre outras de negar a essência do político. Opor as
ideologias às “ciências positivas” não é mais inteligente.
A luta ideológica faz hoje parte da “Guerra cultural”?
Karl Marx não errou ao dizer que a
ideologia dominante é sempre a ideologia da classe dominante. Enquanto ela for
dominante, impregna os espíritos sem que estes se deem conta disso (vê-se mal a
ideologia quando se nos identificamos com ela), tornando-os sempre mais
conformes, sempre mais dispostos a admitir exigências apresentadas como tão “evidentes”
quanto “insuperáveis”, o que reforça sua legitimidade. No século XIX, ela fazia
assim aparecer o proveito como a remuneração natural do capital, enquanto ele
é, antes, o produto do trabalho. A ideologia dominante é hoje a ideologia do
mercado, fundada sobre a ideologia econômica, sobre a ideologia dos direitos do
homem e sobre a ideologia do progresso. A classe dominante é a Nova classe
mundializada.
Mas toda sociedade é um “campo
ideológico”, como escrevia Louis Althuser, para o qual os aparelhos produtores
da ideologia dominante colidem com outras ideologias que os contestam. É a
relação de força entre essas diferentes ideologias que define o espírito do
tempo e deixa prever suas transformações. “Não existe nada no mundo tão
poderoso quanto uma ideia da qual é chegada a hora”, dizia Victor Hugo.